A essa altura, quase tudo já foi dito sobre A Casa do Porco, açougue-bar-restaurante que o chef Jefferson Rueda abriu na Rua Araújo, a poucas quadras do Bar da Dona Onça, da mulher e sócia Janaína Rueda. Que o lugar é a cara do novo cenário gastronômico de qualquer grande metrópole do mundo, com clima informal, preços justos e uma cozinha de excelente nível. Que o Porcopoca é candidato absoluto a ombrear o reinado mantido por todos esses anos do Dadinho de Tapioca, do Mocotó (as boas ideias são sempre as que parecem mais simples). Que é impressionante a versatilidade que Jefferson conseguiu imprimir à carne de porco, um legado da gastronomia brasileira desde os tempos bandeirantes, de um ceviche de rabo e pé a um excelente tartar, de um lámen para deixar muitos restaurantes asiáticos corados de inveja (ou de raiva!) a embutidos perfeitos. Que o torresmo de pancetta com goiabada é uma das melhores coisas que você pode comer em São Paulo hoje…

Mas como eu cheguei por último no assunto, vou falar justamente da última etapa da refeição feita ali, tão negligenciada na maioria das casas que costumamos frequentar, e que não ganhou tanto destaque nos textos dos meus colegas. O café, meus amigos, é importante. E n’A Casa do Porco é tratado com sua devida importância. É um movimento gradual esse dos restaurantes olharem para a xícara além das cápsulas de Nespresso e dos cafés feitos com três corações – e nenhuma qualidade. No mundo, é algo comum e ascendente: EUA, Dinamarca, Japão. Países onde não há um grão sequer a brotar. Curiosamente por aqui, onde lideramos a produção, a coisa é de um atraso deprimente. Os mesmos chefs que defendem os ingredientes nativos das matas, que querem difundir a proteção de produtos ameaçados de extinção são os mesmos que viram as costas pros cafés dos bons produtores nacionais. Valorização de produto é isso aí.

Bom, voltemos à morada do Porco, onde há bom café. O Senhor Espresso, personificado na figura do Rodrigo Pereira, também vem de São José do Rio Pardo, cidade natal de Jefferson. Visita produtores, prova grãos, e compra o que acha bom. “Esses dias, encontrei alguns pés de café sombreados em Divinolândia. Falei pro Pedro [o produtor]: ‘esses daqui já são meus’. Imagina se eu não ia comprar aqueles cafés…”, conta Pereira.  À convite do chef da casa, selecionou uma carta de café em que é possível escolher 6 tipos de expressos, como o feito com Catuaí amarelo da baixa Mogiana a um Tupi do Sul de Minas. O público, afinal, ainda prefere o espresso, ele diz.

porco-café2

UMA DAS OPÇÕES DE CAFÉ DO SENHOR ESPRESSO, UM OBATÃ DO SUL DE MINAS, SERVIDO COM QUEIJO E BALA DE LEITE COM BACON

Mas também serve coado, como o Obatã que eu tomei – frutado, boa acidez, doce.  E aqui, vale a ressalva: o café é servido em bonita taça de cristal sem haste, a chamada taça “O”, da Riedel, que ressalta os aspectos sensoriais do café. Uma beleza de serviço! Não fosse o suficiente, entrou no cardápio da casa um microlote que o Mariano Martins, inquieto produtor da Martins Café, desenvolveu durante a safra deste ano e que chega ao público somente em dezembro. Apelidado de “FAT coffee”, os grãos passaram por fermentação em leveduras (24 horas) e depois por fermentação microbiológica (mais 24 horas) e o resultado foi um café com uma característica de gordura muito particular. “É um café que enche a boca, com um corpo bastante pronunciado”, diz Mariano “Tem uma acidez macia e redonda (devido ao ácido láctico), com notas florais e caramelo”.

porco-café3

COADO NO HARIO EM TAÇA RIEDEL, O CAFÉ DA MARTINS CAFÉ TEM MAIS GORDURA INSATURADA, QUE HARMONIZA COM CARNE DE PORCO

Nos testes preliminares encomendados por ele, ficou comprovado que os níveis de gordura insaturada aumentam durante a fermentação. A referência na literatura é de 56%, no FAT foi de 67%. Na visita feita à fazenda, o grão tinha uma nota de torresmo. Providencial para um lugar que se autodenomina a residência do porco, não?

No resumo, esse nível de gordura indica que o café possui um atributo muito positivo para fins sensoriais: quando entra em contato com o oxigênio, ele forma um filme bem estável, como uma capa de gordura. “Sentimos o FAT como ‘gordinho’ porque a gordura dele primeiro espalha pela boca, depois aumenta a percepção de sabores e no fim forma uma capa de gordura que sela esse sabor todo, com final longo”, explica ele, que deve fazer novos testes e combinações até o café chegar, enfim, ao público geral. No restaurante, vai muito bem com a carne de porco servida nas receitas criadas por Rueda na cozinha. Um café que faz muito sentido ali. Uma preocupação que vai até o último gole do cliente, antes dele levantar e sair pela porta. Coisa rara de se ver – e de se beber.

Fonte: http://www.whatthefork.com.br/what-the-fork/o-cafe-do-porco/

Comments

comments

DEIXE SEU COMENTÁRIO